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sexta-feira, 3 de abril de 2020

Como a Astrofísica contribui com o estudo do Covid-19


Em todo o mundo, pesquisadores de diversas áreas se esforçam para compreender como diminuir os impactos da pandemia do Covid-19 que vivemos. 

O astrofísico brasileiro José Dias do Nascimento Júnior, da UFRN (na foto) e Wladimir Lyra (doutor da New Mexico State University) adaptaram um modelo matemático utilizado no estudo de evolução estelar para auxiliar as pessoas nas decisões diante da pandemia que se alastra pela humanidade.

Conheça nessa publicação o trabalho que eles fizeram e como esperam contribuir.

O dr. José Dias é  professor e doutor em Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e astrônomo associado ao Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics. É membro do Grupo de Estrutura e Evolução Estelar da Base de Pesquisa em Astrofísica e Cosmologia na Universidade do Rio Grande do Norte. Seus trabalhos estão no campo da evolução estelar. Mas como se voltou para o estudo da Covid-19?

Ele explica que a ideia surgiu durante uma discussão no grupo de pesquisa em data science – campo de pesquisa que busca encontrar padrões por meio de análises de dados estruturados ou não – com o também astrônomo Wladimir Lyra, da Universidade do Estado do Novo México, EUA (NMSU, na sigla em inglês). Ambos conversavam sobre como poderiam ajudar a prever os casos de contaminações e de fatalidades no Brasil.
 

O data sciente é utilizado por diversos países para mapear a dispersão do vírus e ajustar as suas ações, mas os dois cientistas perceberam que as simulações existentes ainda não estavam analisando a situação do Brasil.

O Modelo
“Devo dizer que eu não sou epidemiólogo, sou astrônomo e astrofísico especializado em matemática aplicada e modelos computacionais. Comecei esse projeto ao ler sobre modelos matemáticos de evolução de epidemias e ver que as equações eram bem parecidas com outras com as quais trabalho todo dia. Tinha, portanto, as ferramentas para resolvê-las em um modelo simplificado”, alega Lyra ao portal Techmundo. 
“Pela leitura de artigos científicos na área de epidemiologia matemática, deparei com o modelo SIR, que foi o primeiro modelo que buscou matematizar uma epidemia. Vi que as equações são muito parecidas com as equações que eu resolvo todo dia, e que, portanto, eu tinha os meios de resolvê-las. Não é nada que já não tenha sido feito no campo de epidemiologia, começou como um projeto para eu aprender sobre o assunto”, explicou em entrevista para o site da UFRN.
 
O modelo SIR (Susceptíveis, Infectados e Removidos) considera que a população do país seja dividida em quatro categorias: suscetíveis, infectados, curados e mortos. Essas categorias interagem segundo regras preestabelecidas:

* Quando infectados e suscetíveis interagem, uma parcela é removida da categoria suscetíveis e colocada na categoria infectados.
* Parte dos infectados se curam em um dado intervalo de tempo. Estes são removidos da categoria infectados e colocados na categoria curados.
* Outra parte dos infectados morrem devido à doença. Estes são removidos da categoria infectados e colocados na categoria mortos.
* Os curados desenvolvem imunidade e, portanto, não são colocados de volta na categoria suscetível

De acordo com a última regra, curados e mortos podem ser acrescentados juntos na mesma categoria de “removidos” da pandemia. Isso resultou no nome do modelo: SIR (Suscetíveis-Infectados-Removidos). Essas regras são "matematizadas" e as equações, resolvidas para revelar a evolução da epidemia. 

O modelo aplica diversas combinações de regras para criar previsões futuras. Por exemplo, na regra A, a quantidade removida é proporcional ao número de pessoas infectadas e ao de suscetíveis.

O modelo que criaram está disponível em Python nesse link.

O dados
A base de dados utilizada na pesquisa é mantida e atualizada pelo Centro de Ciências de Sistemas e Engenharia (CSSE, em inglês) da Universidade de Johns Hopkins. Os dados são divididos em casos de infecção, remissão e fatalidades. A base de dados é atualizada frequentemente e contém detalhes como datas e distribuição geográfica. Os principais dados utilizados no modelo foram da China, Coreia do Sul, Itália, Suécia, Estados Unidos e Brasil.

O modelo prevê que o pico de contaminações detectadas no Brasil, e consequentemente a dificuldade de aces
so aos sistemas de saúde, deverá acontecer na primeira semana de maio. Esses resultados são ilustrados nos gráficos a seguir:


(Fonte: Modelo matemático de Wladimir Lyra e José Dias do Nascimento)

O modelo foi rodado em 16 de março de 2020, e os cientistas identificaram que a primeira morte pelo coronavírus ocorreria dentro de 5 dias. “Ontem (16 de março), uma previsão do modelo foi que a primeira morte no Brasil ocorreria em algum momento nos próximos 5 dias. Quando acordei de manhã no dia 17 e fui ler as notícias, tínhamos o primeiro caso fatal”, confirmou Lyra.

“Nossas previsões podem ajudar a nortear as políticas governamentais com medidas preventivas em tempo hábil. População e Estado devem trabalhar juntos para que essa previsão não venha a se concretizar”, disse. 

Os dados coletados estão sendo transformados em um artigo, que deverá ser disponibilizado para a comunidade científica nos próximos dias.

Análises

Os estudos analíticos de dados podem auxiliar em aspectos diante de uma doença que se alastra rapidamente pelo mundo. As previsões baseadas em equações podem gerar decisões que irão melhorar as maneiras de lidar com o problema enfrentado.
 
Tela do aplicativo de mapeamentodo Covid-19, do JHU.
https://systems.jhu.edu/research/public-health/ncov/
“As abordagens analíticas para estudar e modelar a natureza sistêmica da disseminação de uma doença infecciosa (modelo SIR) são um belo exemplo de como a ciência opera . E, partir das previsões feitas com um punhado de equações simples, percebe-se o poder da ciência em revelar comportamentos futuros”, enfatiza Nascimento.

Neste trabalho, os componentes do modelo aplicados à epidemia do coronavírus resultaram em um contágio muito rápido. Os dados da Itália mostram que 1 pessoa infectada passa o vírus a 3 ou 4 pessoas, em média, antes de se curar ou morrer pela infecção; com isso, o número de casos dobra a cada 4 dias.

Quando aplicado ao estado de epidemia no Brasil mostra que cada pessoa infectada está, em média, infectando 6 pessoas. A partir dessa taxa, o número de casos dobra entre 2 e 3 dias. 

Lyra anuncia que “se continuar dessa maneira, sem fazermos nada, a epidemia terá seu pico daqui a 50 dias, no começo de maio, com 53% da população infectada ao mesmo tempo. Isso significa mais de 100 milhões de casos. Os hospitais não têm capacidade de lidar com esse número. E, ao final da epidemia, teríamos 2 milhões de mortos”

O final do mês de março e o mês de abril serão fundamentais para o Brasil na preparação dessa estrutura e na captação dos recursos necessários para atender a grande demanda que virá. Ao mesmo tempo, é o momento em que a população pode contribuir, evitando a disseminação do vírus ao ficar em casa e tomar as precauções de higiene, como lava as mãos constantemente e limpar superfícies. 

Na UFRN, através do professor Kenio Costa, do Instituto do Envelhecer, já se entende que as distribuições fornecidas pelo modelo podem ser uma ferramenta essencial na estratégia de proteção aos idosos. Por meio das restrições sociais, deve-se evitar o pico de contaminação, que está previsto a acontecer por volta das primeiras semanas de maio.

Conclusões
Lyra explica que há apenas duas maneiras de finalizar essa epidemia. “A primeira é quando muitas pessoas foram infectadas e desenvolveram imunidade ao se curar. Quando isso acontece, não existem mais pessoas suscetíveis e, portanto, segundo a regra (A) do modelo, não há novas infecções possíveis. Obviamente esse caso é terrível, foi praticamente toda a população infectada em algum momento durante a epidemia, e o número de mortos pode ser assustador”, ele alerta.
 
"A segunda maneira de terminar a epidemia é quando a taxa de infecção é menor do que a taxa de remissão e, então, a epidemia é contida. A quarentena (ou vacina) funciona por diminuir a taxa de infecção. O tratamento funciona para aumentar a taxa de remissão. Sem tratamento ou vacina, temos apenas a quarentena como medida eficaz”.
 
Curitibanos ignoram riscos
e aumentam o movimento nas ruas
nesta quarta-feira.

Jornal Tribuna PR, 25/03/20
Os cientistas alertam que se não foram tomadas medidas de prevenção, e se a população não praticar o distanciamento social, os resultados do modelo vão se concretizar. “Sem tratamento ou vacina, a única forma dessa epidemia parar naturalmente é ela correr seu curso, infectando centenas de milhões e matando milhões de pessoas. O modelo prevê 2 milhões de mortos no Brasil se não fizermos nada. Para evitar isso, a população tem que parar de sair de casa, praticar distanciamento social. Apenas isso vai evitar o contágio”, argumenta Lyra.

Lyra ainda destaca que o distanciamento social não evita o estado final da epidemia, mas atrasa de forma que o sistema de saúde não sobrecarregue até o desenvolvimento de um tratamento ou vacina. "Uma vez retornada a vida cotidiana a epidemia vai ocorrer de novo, mas o atraso que o distanciamento social proporciona é fundamental pra dar tempo para o sistema de saúde não se sobrecarregar com muitos casos ao mesmo tempo e também, esperamos, para dar tempo de desenvolver tratamento ou vacina", explica Lyra.

Trabalhos Futuros
As epidemias foram encontradas em diversos momentos da humanidade, mas segundo ele ainda não há um modelo físico completo e totalmente eficiente para auxiliar nas decisões de maneira rápida e eficaz. “Durante nossa história, encontramos repetidamente grandes epidemias, como a Peste (Peste Negra) no século 14, a Gripe Espanhola em 1918 e, mais recentemente, a Gripe Suína em 2009. Apesar de todas essas epidemias afetarem severamente a população global, ainda não temos um modelo físico eficiente que nos ajude a tomar decisões certas em pequeno espaço de tempo”, confirma Nascimento.

Ele ainda pondera a importância de políticas que incentivem a ciência a realizar o trabalho em momentos como o da pandemia do novo coronavírus. “Sem dúvida acredito que trabalhos como esse devem ser parte dos esforços colocados nas políticas de saúde pública. Apesar de muitas questões terem sido respondidas, muitas outras permanecem em aberto, porém a ciência é sempre a bússola necessária para a proteção nesses casos”, anuncia Nascimento.



Fontes:

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