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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Qual formato a Terra tem?

Foi com esse questionamento que realizei ao longo desse mês uma atividade que sempre quis fazer: repetir o método proposto por Eratóstenes, há mais de 2 mil anos, para determinar a curvatura (ou não) do nosso planeta... 

Descrevo nessa publicação a organização desta atividade, e a conclusão que chegamos.

Por que é importante sabermos qual o formato da Terra?
Em nossa vida "moderna" essa questão fica oculta em tecnologias que utilizamos, como o GPS por exemplo. Mas em tempos remotos, o tamanho do mundo tinha implicações em diversas áreas da sociedade, como na economia (cobrança de impostos, exploração de recursos e comércio, por exemplo), militar (defesa e criação de exército), cultural, científica, ... enfim, em tudo (pra resumir). 

Esse foi o tema que discutimos em nosso primeiro encontro, e os alunos (a maioria do EFii) interagiram bastante, apresentando argumentos que haviam estudado em História, Geografia, Ciências e Filosofia (SIM, a Astronomia é uma ciência que promove a integração de diversas áreas, e esta é uma das atividades que demonstra isso).

Ok, mas qual formato a Terra tem?
Filosoficamente, essa pergunta tem várias resposta possíveis, dependendo de como você constrói sua argumentação. E a ciência contribui para que você possa escolher a "melhor" resposta. Esse foi o contexto da 2a aula que tivemos.

Do nosso ponto de vista, e até onde nossos olhos podem ver, a Terra parece ser plana. E nesse contexto, está correto, pois é o que se pode observar (ou você vai negar o que está ao seu redor?)

Mas um olhar (e um pensamento) mais atento revela que talvez o pensamento nessa escala possa ser mais complicado do que parece...

Imagine-se na praia, olhando o mar. Você nota que um barco se move oceano a dentro...  Há um momento que "magicamente" o barco some "atrás da borda do oceano", que é o limite que sua visão consegue alcançar... Na foto ao lado, o barco já passou desse ponto, e você não mais o encontra no horizonte.

Você também nota que a sombra da mata ao seu redor "caminha" com o movimento do Sol no céu. E ai, curioso que sei que é, pensa: "será que em todas as praias as sombras ocorrem da mesma forma? Com as mesmas inclinações ou tamanhos, em um mesmo horário de um mesmo dia?"

E dai?
Ao longo da história da humanidade, várias teorias foram propostas para responder qual o formato da Terra: seria ela plana? circular? Uma rosquinha? Quadrada? Um formato de banana?

Sim, todos esses formatos são possíveis - no mundo das ideias pelo menos! Para comprova-los é necessário colher informações, observações sobre o comportamento da natureza, e avalia-los.


Do ponto de vista da ciência, criar modelos é fundamental para desenvolver a compreensão de mundo. E cada modelo apresenta uma forma diferente de responder os fenômenos que observam. Por isso não da para dizer que uma explicação é melhor que outra (ou mais correta), pois cada uma é desenvolvida dentro de certo contexto, considerando certas condições, que são, naturalmente, diferentes entre cada modelo.

Por isso,  para escolher qual é a "melhor" explicação, é necessário questiona-los. Naturalmente, acabamos adotando um modelo ou outro apenas pelo fato de que um modelo é capaz de responder mais questionamentos que outro.

Aliás, todo conhecimento humano evolui dessa forma: optamos por um modelo (ou forma de pensar) por este ser capaz de responder mais questionamentos que o outro modelo. 

Um comentário pedagógico: falamos sobre essa questão em todas as aulas, e senti que os alunos ficaram abismados com essa compreensão, pois estavam acostumados a aceitar as "verdades da ciência", e nunca tinham sido estimulados a parar e pensar sobre como o pensamento científico (e portanto nossa compreensão das coisas) é construído e evolui... Fiquei muito satisfeito ao notar que se apropriaram desta ideia nas argumentações e discussões que tivemos!

Modelos para o formato da Terra
Talvez o modelo mais natural para responder a pergunta é o modelo de Terra Plana, justamente por ser esta a primeira impressão que temos ao observar uma paisagem.

Essa forma de pensar o mundo tem (bem) mais de 4000 anos e foi aceita como "a verdade" durante muito tempo na história da humanidade. Alguns a consideram assim até hoje! (sem problemas se souber argumentar corretamente... eis a questão!).

Porém, ele parecia não responder de forma adequada algumas situações, como os eclipses, e as estações do ano, por exemplo (caso queira saber mais detalhes desse modelo, me escreva ai nos comentários que conversamos sobre essas ideias ta?)

Um dos primeiros mapas da antiguidade revelava a Terra nesse formato:


Diversos outros pensadores apresentaram representações diferentes para o mundo, e a mais perfeita e harmônica entre elas era a de um mundo circular. Aristóteles, filósofo grego (385 aC - 322 aC), já tinha desenvolvido essa representação mas não conseguiu comprovar de forma coerente. (novamente, se quiser saber mais, me pergunte nos comentários).

O mapa acima foi elaborado por Eratóstenes (276 - 194 aC). Esse pensador grego vivia em Alexandria, e foi um dos coordenadores da famosa Biblioteca do mundo antigo. Teve acesso a conhecimentos de  diversos povos, rotas de comércio, informações de exploradores, de conquistas militares... e com isso conseguiu compilar o primeiro mapa do mundo, que apresentei acima.

O problema para Eratóstenes
Em uma de suas viagens, ficou intrigado com sombras (ou ausência dela) no interior de um poço de água (que era a fonte de água no mundo antigo). Ele percebeu que em Alexandria sempre haviam sombras no fundo do poço, e o Sol nunca conseguia iluminar complementa seu fundo. Mas em outra cidade, como em Asuã (atual Siena, mais ao Sul do Egito), o Sol conseguia "clarear" todo o poço, até o fundo, sem produzir sombras...

Então pensou da seguinte forma: SE a Terra fosse plana, isso não seria possível, pois em todas as localidades as sombras se comportariam da mesma forma... Entendeu então que a Terra deveria ter outro formato, talvez esférico? Pensou em um experimento para buscar comprovar essa hipótese.

Geometria
Os gregos antigos foram ótimos observadores e medidores da natureza e, a partir disso,  desenvolveram métodos para medir formatos, áreas, proporções... Esses conhecimentos chamamos de GEOMETRIA (medida da terra), aquele que estudamos em matemática na escola.

Eratóstenes simplesmente aplicou a regra dos ângulos opostos pelo mesmo vértice, e da semelhança entre triângulos, que apresento na figura ao lado, como meio de comprovar se a Terra é plana ou não. (clique na imagem para amplia-la e ver os detalhes)

A compreensão dessa questão foi o tema da 3a aula, e notei grande dificuldade dos alunos em entenderem essas relações... Talvez a manipulação de sólidos geométricos contribuíssem para uma melhor compreensão, e não apenas observações na tela do Geogebra (introdutório, outro, mais técnico, com várias ângulos de incidência e sombras)  Aceito sugestões para as próximas vezes ;)

Pensamento de Eratóstenes

Ele considerou que os raios de Sol chegam todos paralelos à Terra (pelo fato do Sol ser muito maior que a Terra e estar muito longe de nós - sim, eles já sabiam disso naquela época!).

Assim, ao posicionar um objeto em certa cidade, o ângulo da sombra desse objeto pode ser comparado com o ângulo de uma circunferência, da mesma forma como o comprimento dessa sombra, pode ser comparado com o perímetro dessa circunferência.

Dessa forma, o que ele fez (e provavelmente diversas vezes, durante vários dias, e vários anos) foi comparar o tamanho de sombras em localidades diferentes.

Para simplificar a questão, no dia em que o poço em Siena está totalmente iluminado (portanto, fica sem sombra), um objeto de tamanho (altura) conhecido produz uma sombra em Alexandria. Isso só seria possível para um formato circular do planeta... Assim, ao determinar o ângulo dessa sombra (por trigonometria), e a distância entre as cidades, é possível determinar a circunferência (perímetro) da Terra por meio da relação 

     (Perímetro da Terra)___  =   (ângulo total de uma circunferência)
(distância entre as cidades)           (ângulo medido com a sombra)

Comentário pedagógico: As propriedades trigonométricas também foram outro ponto de dificuldade de compreensão. Reavaliando a atividade, penso que um tangran e desenhos construídos e recortados pelo próprios estudantes possam ser mais adequados do que as demonstrações que fiz em tela... Nas próximas edições do evento vou tentar essa abordagem!

Medidas
Foi isso que esperava medir com meus alunos em nossa 4a aula: o comprimento da sombra de uma vareta, no exato momento que em outra cidade, de latitude próxima a Curitiba (para que o evento observado ocorresse no mesmo "fuso horário"), não tivesse sombra. 

A cidade em questão foi Macapá (0° 2′ 4″ Norte, 51° 3′ 60″ Oeste), que está situada a (aproximadamente) 2823 km de Curitiba (25° 25′ 42″ Sul, 49° 16′ 24″ Oeste).

A data escolhida para realizar as medidas foi 22/9 (4º encontro), pois é o equinócio da primavera, e neste dia o Sol está a pino sobre Macapá! Mostrei a meus alunos uma reportagem sobre o marco zero, que celebra esse fenômeno.

(in)Felizmente, no dia estava nublado, e as medidas foram feitas do dia 28/9 (5º encontro). A ideia era fazermos as medições juntos, mas não foi possível devido as condições do tempo. Então, fiz as medidas sozinho e mostrei a eles como fazerem as suas. 

Posicionei um objeto verticalmente ao chão (o meu foi uma vareta de 83 cm), e medimos as sombras por ele criado entre as 8h e 14h. A menor sombra ocorreu próximo às 12h12 (a minha foi de 0,315 cm). Marquei minhas sombras com pedras e efetuava a medição a cada 5 minutos (aproximadamente).

Ao efetuar as contas, encontrei uma circunferência de

(Perímetro da Terra)  =     (360º)             Perímetro da Terra = 48 911 km!
       (2823 km)               (20,783º)

Isso significa que, SUPONDO que a Terra tem um formato esférico, ela deve ter algo em torno de 48.911 km!

Eratóstenes obteve  40.020 km, bem melhor que a minha medida, acredito eu pelo fato de ter feito várias vezes esse procedimento e refinado suas medidas.

A melhor medida que temos atualmente para o formato esférico da Terra é um perímetro de 40.075 km, feitos por satélites em órbita.

A Terra não é plana!

Em nosso 6º e último encontro analisamos as contas e discutimos sobre as divergências. Nesta ocasião, os alunos não conseguiram efetuar suas medidas (por diferentes "questões pessoais") e analisamos os resultados referentes as medidas que eu fiz. Mas teria sido importante comparar resultados, pois essa é uma etapa fundamental da ciência..

Discutimos sobre a veracidade do números, se podem estar certos ou não, sobre o modelo proposto... Enfim, foi um fechamento que valeu a pena considerando a compreensão do processo que os alunos demonstraram ter! 

Os números sugerem que SE o formato da Terra  for esférico, seu perímetro é de aproximadamente 48.911 km, um erro aproximado de 22%. Porém, aceitável, pois, conforme os próprios alunos relataram, foi obtido seguindo o método  proposto e não está tão fora do que é o aceito.

Eventuais erros podem estar associados à medição do comprimento da sombra, na determinação do ângulo dessa sombra (obtido por trigonometria), da sincronicidade da sombra zero ocorrer em Macapá (pera reportagem que assistimos, o evento ocorreu bem próximo desse horário).

Espero poder repetir esse evento nos próximos equinócios para também podermos melhorar nossos métodos e análises! Penso em repetir essa experiência sempre em março (21) e setembro (22).

Evento mundial

Essa atividade é proposta por diversas sites, que aceitam o envio dos dados para  refinar cada vez mais o procedimento. Mostrei a eles a quantidade de escolas que participam pelo mundo todo. Fica a sugestão de visita aos seguintes sites:

https://eratosthenes.ea.gr/         http://www.eratosthenes.eu
      https://sites.google.com/site/projetoerato/    

Saiba mais sobre esse projeto em nesse artigo do prof. Rodolgo Lange, e na revista Galileu

Pela internet é possível encontrar diversos vídeos e outros conteúdos relacionado ao tema também.

Inspirações

Essa atividade teve diversas inspirações. Já comentei que era um desejo pessoal, pois é uma maneira de demonstrar como a criatividade humana é capaz de resolver problemas. Também demonstra a necessidade de desenvolver linguagem e ferramentas para buscar soluções. 

Também me inspirei na reportagem abaixo, veiculada no Jornal da Band, em 21/9/19:

 
 Mas a mais importante inspiração foi a série Cosmos, protagonizada por Carl Sagan nos anos 1980, que no primeiro episódio já apresenta a ideia de Eratóstenes sobre o formato da Terra.  Durante a aula, protagonizei essa curvatura das sombras, e foi um momento especial pra mim... (faltou fazer a minha foto, na próxima eu faço!)

Agradecimentos

Agradeço a oportunidade da coordenação em propor, permitir a realização dessa atividade e divulgar o evento (valeu mesmo Rodrigo!) Espero poder propiciar essa vivência científica a nossos alunos todos os anos ein! (já anota ai: é março e setembro blz?)

Agradeço aos alunos que se interessaram e participaram das discussões nesse ano. Espero contar com vocês nas próximas edições também!  Registrem seus comentários sobre o que acharam de participar dessa atividade ta?


Nos vemos no futuro!


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